Não assinalei os 500 anos do seu nascimento, mas ainda vou a tempo.
Deixo-vos com três das oitavas que Luís de Camões dedicou a D. António de Noronha sobre o desconcerto do mundo.
Quem pode ser no mundo tão quieto,
ou quem terá tão livre o pensamento,
quem tão exprimentado e tão discreto,
tão fora, enfim, de humano entendimento
que, ou com público efeito, ou com secreto,
não lhe revolva o espanto e sentimento,
deixando-lhe o juízo quási incerto,
ver e notar do mundo o desconcerto?
Quem há que veja aquele que vivia
de latrocínios, mortes e adultérios,
que aos juízos das gentes merecia
perpétua pena, imensos vitupérios,
se a Fortuna em contrário o leva e guia,
mostrando, enfim, que tudo são mistérios,
em alteza d´estados triunfante,
que, por livre que seja, não se espante?
Quem há que veja aquele que tão clara
teve a vida que em tudo por perfeito
o próprio Momo às gentes o julgara,
ainda que lhe vira aberto o peito,
se a má Fortuna, ao bem sòmente avara,
o reprime e lhe nega seu direito,
que lhe não fique o peito congelado,
por mais e mais que seja exprimentado?
Retirei estas oitavas de "Luís de Camões, Rimas" com texto estabelecido e prefaciado por Álvaro Júlio da Costa Pimpão.
Foi por esta obra que estudei Camões na faculdade e daí encontrar-se cheia de anotações.
Se o Poeta já sentia o mundo em desacordo com a justiça, 500 anos depois estamos de mal a pior.
É um desconcerto total!