domingo, outubro 29, 2006

Cidade


Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o meu vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello, in Poesia

sábado, outubro 28, 2006

Polvo à moda do Porto


Não, não é de uma receita deste excelente molusco que eu vou falar, caros bloguistas que, eventualmente, me visitam.
É sim de um artigo da revista Visão que nos mostra num organograma (ou será um organigrama?) como funciona a Câmara Municipal do Porto, gerida por esse campeão da moralidade, o Dr. Rui Rio.
Aquilo são tentáculos por tudo o que é Departamento, Assessoria, Empresa Municipal!
Fiquei incomodada, escandalizada mesmo perante tal rede familiar.
Felizmente que na Câmara do meu concelho nada disto se passa.
Ninguém é filho, irmão, pai, mãe de ninguém.
Por mais competente que se seja, quem é familiar de algum dos principais responsáveis autárquicos , fica proibido de entrar em serviços dependentes da Câmara.
Por aqui impera a moral e os bons costumes!

quinta-feira, outubro 26, 2006

Lamento

Pátria sem rumo, minha voz parada
Diante do futuro!
Em que rosa-dos-ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura,
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?

Ah, Camões, que não sou, afortunado!
Também desiludido,
Mas ainda lembrado da epopeia...
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!...
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente...

Miguel Torga

quarta-feira, outubro 25, 2006

Desabafo

Que Associação Humanitária é esta que retira 7 moradores em perigo de uma rua e não faz, de imediato, o reconhecimento total de toda a área?

Que vizinhos são estes que esquecem ou desconhecem a existência de uma idosa acamada a viver junto deles?

Que sociedade é esta que esquece os seus idosos e os deixa morrer no maior dos abandonos?

Quem sou eu para estar a apontar o dedo aos outros?

Afinal quem era esta senhora, moradora numa rua em Pombal, sem familiares, sem amigos, sem ninguém?

Talvez o seu último suspiro tenha sido de alívio por deixar este mundo-cão!

terça-feira, outubro 24, 2006

No Entardecer da Terra

No entardecer da terra
O sopro do longo Outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.

Soergue as folhas, e pousa
As folhas, e volve, e revolve,
E esvai-se inda outra vez.
Mas a folha não repousa,
O vento lívido volve
E expira na lividez.

Eu já não não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E até do que hoje sou
Amanhã direi, quem dera
Volver a sê-lo!... Mais frio
O vento vago voltou.

Fernando Pessoa, in Cancioneiro

domingo, outubro 22, 2006

Alerta Amarelo

O aflitivo tilintar do espanta-espíritos da varanda e as bátegas de chuva na persiana não convidavam a sair de "vale de lençóis".
De olhos bem fechados, tentei elencar razões que me fizessem destapar a cabeça, soerguer-me e saltar da cama. Finalmente encontrei uma bem pertinente - a solidariedade conjugal.
Arrastei-me para a sala. Na SIC Notícias, Rui Cardoso Martins, jornalista do Contra-Informação, falava dos dislates governamentais da semana que terminou e afirmava que a partir de agora nada podia ficar como antes.
Dei uma olhadela à 1ª página do Expresso (ontem não o pude fazer, por estar numa festa de casamento) e aí, em letras garrafais o título: Orçamento Cruel. Na 2ª coluna desse artigo lê-se:
" O ministro das Finanças diz que quer tirar aos que mais têm. Mas o aumento de impostos para pensionistas e deficientes e as taxas moderadoras nas operações e internamentos tornam este OE, em certos aspectos, bastante cruel."
Decidi:- vou tomar o pequeno-almoço, talvez isso me anime!
De regresso à sala, a nova mirada na imprensa local e regional, saída na sexta-feira, não ajudou nada.
Os disparates das declarações dos governantes locais são cada vez mais preocupantes.
Novo intervalo, desta vez para o almoço, rápida arrumadela à cozinha, nova visita ao "museu do traje" e arrumação de gavetas.
Entretanto, o cara-metade, cheio de coragem, decidiu enfrentar a tempestade e foi beber café.
Volto para o sofá. A Nocas, a gata residente no apartamento, aninha-se no meu colo.
Afinal sempre há pequenos nadas que podem ser animadores neste dia de alerta amarelo!

sexta-feira, outubro 20, 2006

Sem Paciência!

Acabei de ter este desabafo num dos blogues que visito diariamente - estou sem paciência!
Será da chuva?
Será dos 360 euros das minhas novas lentes?
Será da visita que fiz ao meu museu do traje? ( sim, eu tenho um museu do traje só meu )
Será por ter aí verificado que o que me sobra em roupa, falta-me em bom gosto?
Será que é por ser o fim-de-semana não? ( ausência do filho )
Será por tentar ler à luz de velas, para ser uma consumidora exemplar?
Será pela breve leitura de alguns artigos na imprensa local e regional? ( e ainda não cheguei à nacional)
Por que será?

quarta-feira, outubro 18, 2006

Sem Título

Às vezes julgo ver nos meus olhos
A promessa de outros seres
Que eu podia ter sido,
Se a vida tivesse sido outra.

Mas dessa fabulosa descoberta
Só me vem o terror e a mágoa
De me sentir sem forma, vaga e incerta
Como a água.

Sophia de Mello, in Poesia

segunda-feira, outubro 16, 2006

Dia de Chuva

Chove torrencialmente!
Por falta de um adequado sistema de escoamento temos menos sorte do que o povo eleito na travessia do Mar Vermelho. Ou encharcamo-nos ou encharcamos os outros!
Entretanto, para animar, como todas as segundas-feiras, espera-me um almoço de trabalho na companhia de dois bons amigos. E é sempre bem divertido embora só bebamos água.
O pior é o resto da tarde que é também de trabalho mas não com amigos, apenas com conhecidos!
Para terminar, e a propósito de chuva, aqui vai mais uma do livro A Tertúlia dos Mentirosos:
" Um homem - conta uma tradição chinesa - caminhava lentamente à chuva.
Um outro que ia a passar depressa perguntou-lhe:
- Porque não andas mais depressa?
- Lá à frente também chove - respondeu o homem."

domingo, outubro 15, 2006

Quentes e Boas


No final de Agosto, nos arredores de Celorico da Beira, os castanheiros estavam assim cobertos de ouriços de um lindo tom amarelado. Lá dentro, as castanhas ultimavam a sua maturação.
Neste fim-de-semana, na rua principal da minha cidade, apareceram os homens das castanhas com os seus carrinhos bem característicos. Elas , de um cinzento prateado, exalavam um cheiro de Outono e, no ar, o fumo ajudava a pintar o quadro.
Contudo não cheguei a prová-las...

sábado, outubro 14, 2006

O Tâmega em Amarante


Finalmente consegui postar uma imagem sem grande ajuda.
Escolhi o Tâmega em Amarante, no mês de Agosto.
Tâmega que levas as águas...
Amarante, que deliciosos doces tens...

quinta-feira, outubro 12, 2006

Grande Mulher

Duas semanas depois de ter conquistado, em Pequim, a Taça do Mundo de Trialto, Vanessa Fernandes sagrou-se, no passado fim-de-semana em Turim, campeã europeia de Dualto.
Ontem, na Polónia, a selecção nacional vestiu-se de luto, por antecipação.

quarta-feira, outubro 11, 2006

O mar e a serra

" Homme libre, toujours tu chériras la mer "

Charles Baudelaire


Sou uma jangada à deriva na serra!

terça-feira, outubro 10, 2006

Tertúlia dos Mentirosos

Recebi, há já alguns anos, das mãos do meu filho mais novo, um livro de contos filosóficos do mundo inteiro intitulado Tertúlia dos Mentirosos.
" São contos engraçados, graves ou as duas coisas, ao mesmo tempo. São, por vezes, ambíguos, desconcertantes e, até inquietantes.
Parecem-se connosco."

Como não me canso de reler algumas dessas estórias aqui vai uma, das mais pequenas, para não cansar os eventuais visitantes.

"Como tivesse perdido o seu burro - conta uma história turca - Nasreddin Hodjâ mandou proclamar por toda a cidade que daria o animal a quem lho trouxesse, ainda por cima com a albarda e a cabeçada.
E como alguém se admirasse de ele prometer assim dar o seu burro a quem lho trouxesse, não vendo o que ele tinha a ganhar com a promessa, Nasreddin respondeu:
_ Achas então insignificante a alegria de encontrar uma coisa oerdida?"

domingo, outubro 08, 2006

Poema Perdido

Porque eu trazia rios de frescura
E claros horizontes de pureza
Mas tudo se perdeu ante a secura
De combater em vão.

E as arestas finas e vivas do meu reino
São o claro brilhar da solidão.


Sophia de Mello Breyner Andresen, in Coral

sexta-feira, outubro 06, 2006

SOS - ADSE

O meu sub-sistema de saúde é a ADSE.Hoje fui fazer análises de acordo com as instruções da minha cardiologista.
Paguei a módica quantia de 25 euros e 1 cêntimo, quando anteriormente pagaria 6 euros e 65 cêntimos.
Como vou começar a descontar mais para a ADSE sofro um duplo aumento! E comigo milhares de funcionários públicos que, no caso dos professores, por exemplo, têm as carreiras congeladas.
Entretanto a fuga aos impostos por parte dos privados e o desperdício do Governo Central e da maioria dos Municípios continua!
Mas o que é isto?!

quarta-feira, outubro 04, 2006

Ah doce e enganador Outono!

O Outono doce, dourado, das vindimas, do cheiro a mosto, a castanhas assadas, das nuvens sulcando os céus, feitas gaivotas, canoas, carruagens de contos de fadas puxadas por golfinhos, fiapos de algodão é um enganador.
Sai uma pessoa de casa, com um cenário de agradável doçura, de roupa leve, o sol ainda quentinho e volta encharcado até aos ossos e a espirrar sem parar.
Sai de casa debaixo de um vendaval, de kispo, chapéu-de-chuva, quiçá de botas e regressa afogueado, suado, com o kispo desastradamente debaixo do braço e sem chapéu-de-chuva que, entretanto, foi largado em qualquer lado.
Ah doce e enganador Outono!...