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domingo, setembro 07, 2025

Poesia ao domingo

 Vento no Rosto


À hora em que as tardes descem, 

noite aspergindo nos ares,

as coisas familiares

noutras formas acontecem.


As arestas emudecem.

Abrem-se flores nos olhares.

Em perspetivas lunares

lixo e pedras resplandecem.


Silêncios, perfis de lagos,

escorrem cortinas de afagos,

malhas tecidas de engodos.


Apetece acreditar,

ter esperanças, confiar,

amar a tudo e a todos.


António Gedeão, in Poesias Completas

domingo, agosto 31, 2025

Poesia ao domingo

 Serenata


Dize-me tu, montanha dura,

onde nenhum rebanho pasce,

de que lado na terra escura

brilha o nácar da sua face.


Dize-me tu, palmeira fina, 

onde nenhum pássaro canta, 

em que caverna submarina

seu silêncio em corais descansa.


Dize-me tu, ó céu deserto,

dize-me tu se é muito tarde,

se a vida é longe e a dor é perto

e tudo é feito de acabar-se.



Cecília Meireles, in Antologia Poética


domingo, agosto 24, 2025

Poesia ao domingo

E por Vezes


E por vezes as noites duram meses

E por vezes as noites oceanos

E por vezes os braços que apertamos

Nunca mais são os mesmos  E por vezes


 encontramos de nós em poucos meses

o que a noite nos fez em muitos anos

E por vezes fingimos que lembramos

E por vezes  lembramos que por vezes


ao tomarmos o gosto dos oceanos

só o sarro das noites não dos meses

lá no fundo dos copos encontramos


E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes por vezes ah por vezes

num segundo se evolam tantos anos


David Mourão-Ferreira, in "Matura Idade"



domingo, agosto 17, 2025

Poesia ao domingo

 Liberdade


Aqui nesta praia onde

Não há vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando interruptamente

Puro espaço e lúcida unidade, 

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade.


Sophia de Mello Breyner Andersen

domingo, agosto 10, 2025

Poesia ao domingo

Intermezzo

Hoje não posso ver ninguém:
sofro pela Humanidade.
Não é por ti...
Nem por ti...
Nem por ti...
Nem por ninguém.
É por alguém.
Alguém que não é ninguém,
mas é toda a Humanidade.

                                                          

António Gedeão

domingo, agosto 03, 2025

Poesia ao domingo

 Renúncia


Como nunca vieste, já não venhas.

O mais rico tesouro é o que se nega.

Ágil veleiro doutros mares, navega 

Com as asas que tenhas!


Foge de ti, porque de mim fugiste.

Alarga a solidão que me consome.

E apaga na memória a praia triste

Onde eu pergunto às ondas o teu nome


Miguel Torga

domingo, julho 27, 2025

Poesia ao domingo

 Onda que, enrolada, tornas

Pequena, ao mar que te trouxe

e ao recuar te transtornas

Como se o mar nada fosse.


Porque é que levas contigo

Só a tua cessação,

E, ao voltar ao mar antigo,

Não levas o meu coração?


Há tanto tempo que o tenho

Que me pesa de o sentir.

Leva-o no som sem tamanho

Com que te oiço fugir!


Fernando Pessoa

domingo, julho 20, 2025

Poesia ao domingo


Escrito no Muro

 

Procura a maravilha.


Onde a luz coalha

e cessa o exílio.


Nos ombros, no dorso,

nos flancos suados.


Onde a boca sabe

a barcos e bruma.


Ou a sombra espessa.


Na laranja aberta

à língua do vento.


No brilho redondo

e jovem dos joelhos.


Na noite inclinada 

de melancolia.


Procura.


Procura a maravilha.



Eugénio de Andrade


Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, nasceu na Póvoa da Atalaia, Fundão a 19 de janeiro de 1923 e morreu no Porto a 13 de junho de 2005.


A escolha do poema tem a ver com o tema "Procura a maravilha".

Onde é que eu procuro a maravilha?

Na música no sossego das tardes, na rosa que floresce no canteiro que vejo logo de manhã, nos dois pêssegos que pendem quase maduros, nos comentários dos meus amigos!

domingo, julho 06, 2025

Poesia ao domingo

 Os piqueniques da Catarina lembraram-me este, que faz jus ao "Déjeuner sur l´herbe" de Manet, porque bem mais colorido e a sensualidade menos explícita, se fosse transformado em pintura, pois dava uma aguarela.



De Tarde


Naquele "pic-nic" de burguesas

Houve uma coisa simplesmente bela, 

E que, sem ter história nem grandezas,

Em todo o caso dava uma aguarela.


Foi quando tu, descendo do burrico,

Foste colher sem imposturas tolas,

A um granzoal azul de grão de bico

Um ramalhete rubro de papoulas.


Pouco depois, em cima duns penhascos,

Nós acampámos, inda o sol se via,

E houve talhadas de melão, damascos

E pão de ló molhado em malvasia.


Mas todo púrpuro, a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,

Era o supremo encanto da merenda

O ramalhete rubro de papoulas.


 In Livro de Cesário Verde