Diz-me o facebook através de vários amigos que hoje é o Dia Internacional do Livro Infantil, além do Dia da Criança Autista mas, embora vá falar de crianças e de um livro específico, não são estes os temas que vou "desenvolver"...
Sempre que há cheias na lezíria me vem ao pensamento o livro de Soeiro Pereira Gomes, "Esteiros", que era de leitura obrigatória nas aulas de Português, no 7º ano de escolaridade, nos idos anos de 1975/76.
Miúdos e miúdas desta idade já não são concretamente crianças nem este livro pode ser considerado de literatura infantil mas o que é um facto é que o liam com imenso entusiasmo e através dele tomavam conhecimento de uma realidade que desconheciam totalmente.
Soeiro Pereira Gomes retrata nesta obra, publicada em 1941 e classificada como neorrealista, a duras condições de vida das crianças sujeitas ao trabalho infantil nos telhais, em Alhandra, para poderem sobreviver.
Do grupo de garotos que está no cerne da obra destacam-se o Gaitinhas, o Gineto e o Sagui...entre outros.
O autor escreveu ao fundo da primeira página deste livro a seguinte dedicatória:
"Para os filhos dos homens que nunca foram meninos escrevi este livro"
Agora deixo-vos um pequeno extracto do mesmo:
"As cheias cobriram de água os olhos dos camponeses. Perdidas as margens, o rio fez-se mar - mar de aflições.
Mas ali no Mirante, sobranceiro à casa do Gaitinhas, a gente que veio da cidade, em automóveis, não via angústias, nem olhos rasos de água. Assentou binóculos sobre a lezíria, e as lentes aproximaram telhados de casas submersas, telheiros desmantelados, copas esguias de choupos como dedos de náufrago. Ao longe, dentro da capela bloqueada, a Senhora de Alcamé bradava aos céus.
- Que formidável espectáculo!
- E não querias tu vir...
- As águas subirão mais? - perguntou alguém.
Um homem daqueles sítios disse que sim. - O cabeço de água é só amanhã...
Ia-se a torre cimeira da capela. E o sino calado, impotente...
- Gostava de cá voltar, quando o rio estivesse mais cheio - confessou uma senhora que ouvira a resposta do homem.
O marido discordou. - Não vale a pena. isto é sempre a mesma coisa...
Um bando de patos bravos alvoroçou olhares, formou nuvem que se alongava e sumia na neblina da manhã. No valado, que fora limite de margem e agora era carreiro sem destino, um renque de oliveiras emergia das águas, apenas, as copas glaucas."
Já não são uma tragédia as cheias do Tejo graças ao sistema de barragens que as vai controlando um pouco e, sabedoras com antecedência, da vinda furiosa das águas, as pessoas procuram, dentro do possível, acautelar animais, rações e outros bens mas quem vem de fora olha sempre para as cheias como um espectáculo...
Verdade, querida Rosinha, como a para a neve (e eu que o diga!).
ResponderEliminarNão li essa obra, mas já dei imensos excertos. Há que tempos que não os vejo em livros recentes. Será que saiu do programa de 3º ciclo?
Sorte do meu filho! Embora enquadrado nesta terrível síndrome, pode ser criança.
Aquele abraço!
Também li esse livro no liceu, suponho que no meu 6º ano, atual 10º. Adorei! E é curioso que nos últimos dias, ao ler "Capitães da Areia" de Jorge Amado, por várias vezes lembrei-me dele. Talvez o releia um dia destes...
ResponderEliminarAbraço
ResponderEliminarAs obras, como estas, vão desaparecendo dos programas. Outras surgem, algumas muito distanciadas do que foi/é a realidade. Sobretudo, dá-se mais ênfase às que não colocam os alunos perante os problemas - pensar e comparar e concluir. Estas vertentes são perigosas - constroem o poder crítico, o que não interessa a quem governa.
Beijo
Laura
Li esse livro numa fase adiantada da adolescência e adorei.
ResponderEliminarTambém assinalei o Dia da Literatura Infantil, mas numa vertente diferente.
Bem lembrado e obrigado... Esteiros foi o livro lido em menino que levei para a guerra, está lá escrito no meu livro... leu?
ResponderEliminarHoje o meu blogue é azul!
Também fez parte das minhas leituras "obrigatórias" e do meu gosto pelos grandes autores portugueses.
ResponderEliminarFoi o relembrar de uma realidade que se calhar voltaremos a conhecer, pois muitas crianças estão a passar por dificuldades.
beijinho
Fê
com a minha idade (68) só o li, como se compreende, depois do 25 de Abril e claro que o apreciei e liguei essas crianças às que, no meu tempo, em pleno inverno transmontano iam para a escola descalças!
ResponderEliminarO livro devia ser, a meu ver, de leitura obrigatória para estes meninos de hoje que têm ou tiveram tudo ( agora talvez menos )soubessem o que foram tempos difíceis!
Já li e adorei o livro...obrigada pela partilha deu-me vontade de o reler!
ResponderEliminarMatia
Bem recordada a ligação dos Esteiros à atualidade (cheias), embora como dizes, já não sejam as “tragédias” de antigamente !
ResponderEliminarTambém já não serão tantos “os homens que nunca foram meninos”, como então ! … e é também pena que os miúdos de hoje já não leiam os esteiros, assim como outros do género !
Fiz em tempos um post sobre o homem/rapaz que interpretou o Gineto !
Excerto (link abaixo) :
“Soeiro Pereira Gomes, que se fixou nesta vila nos anos 30, escolheu este miúdo para personagem do seu mais conhecido livro, “Esteiros” (era o Gineto), que conta a história das crianças obrigadas a trabalhar muito cedo para sobreviverem .
“Atravessava o caniço dos esteiros e, mesmo vestido, atirava-se ao rio. A corrente era forte, mas na outra margem havia pássaros, toiros bravos a pastar e valados desconhecidos”
Dizia Batista Pereira (Gineto) : É verdade, foi assim que comecei, mas não me lembro de quando comecei a nadar; creio que sempre soube …
Aos 13 anos já era a pessoa mais popular de Alhandra.
-Aos 15 anos de idade realizou a sua primeira travessia oficial do rio Tejo (veio a ser campeão da travessia do Tejo entre Trafaria e Pedrouços).
… e veio a ser o maior nadador português de todos os tempos !
http://coisas-da-fonte.blogspot.pt/2012/05/um-desportista-notavel.html
Haverá sempre quem veja e não enxergue...
ResponderEliminarApesar de ter o livro na minha estante, nunca o li...
ResponderEliminarAbracinho :)
De quando explorávamos essa obra com os alunos da experiência Veiga Simão. Saudades desses bons tempos!
ResponderEliminarEu compreendo por que razão se escondem agora, às crianças, as situações tristes. Tentamos evitar que sofram mas esquecemo-nos da capacidade que têm, se bem acompanhadas, para processar e assimilar as situações sem traumas maiores e isso dá-lhes resistências que lhes serão úteis pela vida fora.
ResponderEliminarÉ pena que esta obra tão linda não seja lida nas escolas.
Obrigada por esta partilha que me vai fazer reler Os Esteiros!
Um abraço
Vou procurar o livro :)
ResponderEliminarum beijinho
Também li!
ResponderEliminarObrigada pelo comentário!
beijo
É imperdível, o livro!
ResponderEliminarImperdoável não lê-lo!
No meu tempo não era ainda obrigatório!
Beijinho
É imperdível, o livro!
ResponderEliminarImperdoável não lê-lo!
No meu tempo não era ainda obrigatório!
Beijinho
Rosinha, não percebo por que razão não consegues entrar no blogue.
ResponderEliminarOra tenta lá outra vez, através deste link:
http://demaosdadascontigo.blogspot.pt/
( a autorização mantém-se. Depois, diz-me, por favor, se conseguiste.)
Aquele abraço
Por aqui choveu muito e os rios aumentaram o seu caudal. Em alguns pontos do Ebro as margens foram inundadas, assim como algumas cidades. Incluídos alguns afluentes. Obviamente, tanto o Tejo como o Douro, e até o Lima e o Guadiana, mas sobre tudo os dois primeiros.
ResponderEliminarTiveram que abrir comportas e os caudais subiram, mas o que seria se não existissem essas barragens... pois como então: grandes inundações.
Esperemos que o mal não vaia a mais, porque pelo Norte, daqui, continua a chover, e bem! Já dizem que temos água garantida para todo o verão.
Abraços de vida
Caro Rui da Bica
ResponderEliminarAgradeço teres acrescentado essa informação que eu também conhecia!
Ainda me lembro dessas travessias do Tejo de Baptista Pereira (Gineo)relatadas pela TV!
Tu explicas sempre tudo até ao mínimo pormenor!
És um mestre!
Abraço
Para os filhos dos Homens
ResponderEliminarque nunca foram meninos
Nasci na lezíria, à beira Tejo, amiga. Habituada às cheias em miúda e agora longe delas, sei bem os trabalhos que acarretam, contudo, não deixam de ser um espectáculo (cada vez mais raro, e ainda bem...) da Natureza. Adorei essa tua ideia de aqui colocares este excerto dos Esteiros, que li em tempos.
ResponderEliminarBeijinho