A tempestade que assolou a costa portuguesa e não só, na semana passada, e um telefonema de 56 m com uma cunhada que vive entre Paris e Lisboa levaram-me a recordar o belíssimo mas trágico conto de Trindade Coelho "Abyssus abyssum".
Veio à baila este conto porque ela não se lembrava do nome e como ia ver um filme intitulado "La Gouffre" queria lê-lo antes, para poder constatar se o realizador, seu conhecido, teria ido "beber" algo ao referido conto.
Eu tinha-o bem presente e ali ficámos a dissertar sobre a atracção fatal que muitos têm pelo perigo, sobretudo pela água.
Falámos das espectaculares fotos do mar em fúria, da ousadia dos fotógrafos para as captarem e ainda da morte de alguns aventureiros que não resistiram ao apelo das águas.
Os dois pequenitos, irmãos, protagonistas do conto começam por desobedecer à mãe, desceram até ao rio, meteram-se no barco e, finalmente, quando a tarde cai e no céu surge a primeira estrela, eles começam a persegui-la para a alcançarem. O seu destino está marcado - serão engolidos pelas águas.
Aqui ficam alguns excertos para aguçar o apetite a quem gosta do género ou relembrar quem conhece o conto.
"Um renque de choupos esguios marcava a borda do rio, que nessa manhã deslizava muito sereno, esverdeado de águas, espelhante sob aquele céu imaculado.
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Já reparaste no barco, ó Manel?
- Tão bonito!
Os dois riram.
- Parece pintado de novo...E nem mexe, repara!
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Dentro daquele adorado barco, assim no meio do rio, eram senhores absolutos da sua vontade, poderiam ir para onde lhes parecesse, livres de admoestações alheias, sozinhos, independentes.
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Tinham os dois concebido o estranho desejo de alcançar a estrela cujo brilho diamantino os fascinava. Tão linda!...
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O pequeno barco vogava agora à mercê da corrente, sem impulso algum estranho. dentro dele, a música levíssima das respirações dos dois pequenos adormecidos...
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Nesse mesmo instante... - e mais longe do que nunca - ... a estrela feiticeira acabava de cerrar também a pálpebra luminosa!
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Trindade Coelho In Os Meus Amores
Nota: Ainda não foi desta que me deixei seduzir pelo silêncio...também é uma atracção, por vezes, fatal!