Há dias, acabei de ler "Jesusalém", de Mia Couto e posso classificá-lo muito globalmente como dolorosamente poético.
Esta obra tem algumas divisões e sub-divisões todas elas iniciadas por poemas ou simples frases.
Os poemas são quase todos de mulheres e maioritariamente de Sophia de Mello...
Apesar de ser uma grande admiradora e consumidora da sua poesia, escolhi um poema de Adélia Prado, brasileira, que me era totalmente desconhecida, para aqui o deixar registado.
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Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo o dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei se não for santa?
Adélia Prado
.Nota: o título não é meu, é precisamente o título do capítulo iniciado por este poema.