sábado, junho 26, 2010

Gente Feliz com Lágrimas

"Mas nos sítios onde antigamente pairavam corolas de nuvens sobre as montanhas mais altas, eram ainda as montanhas - altíssimas, perpétuas e torcidas como cães de pedra sentados na água. E onde outrora existira o vento, e o mar fora oblíquo, e os barcos passavam de quilha inclinada, cheios de gente feliz com lágrimas em direcção à América - existiam ainda os carros de vento, os barcos e bandos de gaivotas muito brancas planando em redor dos mastros. Carregadas de chuva, as mesmas nuvens que há vinte e cinco anos atrás rolavam de norte para sul, à procura de outros mares para onde as levassem os imponderáveis destinos do vento. E como nunca passavam além das montanhas, haviam optado, em definitivo, por permanecer naquele céu sem altura. Confundiam-se mesmo com os deuses que dormem e respiram e estão sempre em levitação."
Este é um pequeno extracto do livro de João de Melo, "Gente Feliz com Lágrimas", e cujo título se vai encontrando em várias frases ao longo da narrativa.
Como tenho por hábito assinalar numa das primeiras folhas de cada livro a data do início da sua leitura e no final a data da sua conclusão, sei que o iniciei em Abril de 1989.
É um romance a várias vozes, vozes essas que narram a saga de uma família açoriana que se dispersa, se desencontra num estranho amor-desamor, pelo Canadá, Lisboa, Luanda e que decorre desde o início dos anos 60 até 1988, com todos os acontecimentos político-sociais dessa época como pano de fundo e que termina com dois finais:
1. O retorno à terra dos nevoeiros por parte do narrador principal, Nuno, herdeiro da casa da família
2. E uma reflexão profunda desse mesmo narrador sobre o maior dos seus erros: pensar que podia viver na primeira pessoa e ao mesmo tempo ter sido outros, Nuno e Rui Zinho ( seu pseudónimo como escritor), o feminino plural das suas cinco irmãs e também o género e o número dos seus três irmãos. Todos na verdade persistem como o caleidoscópio de um único rosto.
Apesar de andanças, mudanças, encaixotamento de livros durante anos, a este, por estranho que pareça, nunca lhe perdi o rasto.
De vez em quando, procurando um outro, lá me surgia ele com o marcador na página certa, pegava-lhe, lia umas páginas normalmente coincidentes com uma das "vozes narradoras" e abandonava-o de novo.
E ele sempre por perto, à minha espera...
Até que ontem, passados 21 anos e 2 meses escrevi na sua última página - Concluído a 25 de Junho de 2010.
Dirão, os caríssimos visitantes que tiveram a paciência de chegar até aqui, que se levei tanto tempo a lê-lo é porque não o achava interessante, mas não foi essa a situação vivida.
Aconteceu simplesmente que, tanto ele como eu, ficámos "pendurados" um no outro numa espécie de namoro cheio de "pega" e "larga".
Convosco já aconteceu algo de semelhante?

18 comentários:

  1. Não, Rosa, namoros desses acho que nunca tive. Comigo ou é casamento consumado até à última página o mais depressa possível (que acho que foi o que me aconteceu com esse livro) ou é divórcio litigioso logo nas primeiras linhas...
    Um bom fim de semana:))

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  2. Li há muitos, muitos anos atrás...
    Obrigada por mo recordares.

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  3. Infelizmente não registo as datas em que leio os livros. Se tal acontecesse, poderia agora dizer quando o li. Mas isso interessa pouco para o caso, pois que foi um livro daqueles cujo conteúdo não se dilui no tempo. Gostei muito! Lembro que não tinha lido nada do João de Melo e o "Gente Feliz com Lágrimas" fez-me guardar-lhe o nome para sempre e procurar conhecer melhor a sua obra.

    Um beijo

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  4. O titulo atrai, ao primeiro impacto, mas... o importante é que acabaste por lê-lo, isso é o que importa.

    No meu caso sou dos leitores que sempre acabo o que começo, até levando mais dum à vez, e a curto prazo. Pode que compre um livro para ler já e fazê-lo dois anos mais tarde, por entrar, entretanto, outro de maior interesse ou necessidade.
    Quando trabalhava tinha que ler coisas profissionais... por isso tenho muito comprado ainda por ler. Li em dois anos o que não fiz durante toda a minha vida.

    Abraços de vida

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  5. Repetir a leitura de um livro passados muitos anos... sim, mas essa de demorar esse tempo todo para o acabar... "jamais" lol

    Beijinhos

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  6. Não! Ou leio tudo até ao fim, ou então abandono de vez - porque não gosto. Também li esse livro há uns vinte anos e lembro-me que gostei mas que me deixou um bocado para o deprimida. Os nossos escritores das ilhas têm dessas coisas.

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  7. O que interessa é o prazer conseguido com a leitura.

    Lembro-me desse livro do João de Melo com uma forte emoção.

    Li-o sofregamente.

    Bjs

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  8. Amei esse livro, principalmente toda a 1ª parte, a da infância deles.
    Mas um namoro tão longo, nunca tive.
    Mas já aconteceu deixar livros a meio, à espera de os terminar, mas muito poucos.

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  9. Como sou ainda um rapaz novo, fico à espera de um dia poder ter um comentário destes sobre um dos meus livros.
    A inveja mata, minha querida Amiga!
    Aquele abraço
    js

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  10. Gabriel Garcia Márquez - 100 Anos de Solidão. Traduzido em todas as línguas do mundo - Prémio Nobel.
    Quem não devoraria esta obra de uma ponta à outra?
    Estranha relação a minha. Há uma espécie de respeito meu para com o escritor. Há anos que ando pendurado. Teimo em lê-lo apenas quando me sinto disposto a dedicar-lhe toda a minha atenção. Há anos que já tenho lido várias vezes uma dúzia de páginas e tenho que interromper. Fui agora ver e estou na pg. 72 de 328 ! Porquê ?
    Entretanto, muitos outros já meti pelo meio.
    .

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  11. Caro Rui
    Estava a ver que não aparecia ninguém com uma história semelhante...
    O que é engraçado é que, de facto, eu não coloquei o livro de lado, simplesmente fui-o absorvendo a conta-gotas.
    E achei-o muito bom!
    Vais ver que também levarás a bom termo a leitura do teu.

    Abraço

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  12. ha livros assim, mas coisa que resolvo em meses, nunca em anos...

    anos tem uma longa fila de livros, na estante, onde está quase a querer sair "O Ano da Morte de Ricardo Reis".

    abraço Rosa

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  13. Eu sou mais como a Justine mas admiro os sofrimentos prolongados.

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  14. Também tenho uma série de livros que vou lendo a conta gotas, mais por falta de tempo que de outra coisa. Nuns o recomeço é sempre um prazer redobrado, num ou noutro nem por isso, e vão ficando esquecidos à espera dum impulso regenerador. O que, mais tarde ou mais cedo, acabará por acontecer.

    Bjs

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  15. Caros Amigos
    Sempre tive tendência em ler dois ou três livros ao mesmo tempo e agora que os dias fluem quase sem horários essa tendência acentuou-se.
    Até hoje apenas deixei definitivamente de lado "Samarcanda" de Amin Maalouf que li até à página 118 de um total de 355...
    Neste momento tenho entre mãos "O Ano da Morte de Ricardo Reis" que já tinha iniciado antes da morte de Saramago," A Trança de Inês" de Rosa Lobato de Faria e "A Casa do Pó" de Fernando Campos...por acaso todos portugueses, fora alguns dos nossos consagrados poetas que releio, releio, releio...

    Abraço

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  16. Também já me aconteceu, mas o namoro terminou antes de acabar.
    Precisamente com Saramago, logo no Memorial do Convento.
    Redimi-me com o Evangelho, que li de uma penada...

    (Com a Rosinha, nunca, li-lhe os livros todos e mais que houvesse!)

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  17. Em arrumação de estantes e num esforço para a organizar separei dois livros "antigos" que me apeteceu reler : "A Escola do paraíso" de José Rodrigues Miguéis e " A gente feliz com lágrimas". Este apontamento estimulou mais esse "apetite".

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  18. Já me aconteceu,sim, várias vezes :)

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