Quando era aluna da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o professor de Francês, Mr. Lasserre, conseguiu organizar uma visita a Paris, no mês de Agosto, durante oito dias, em condições bastante vantajosas.
As alunas (éramos só raparigas naquela turma) pagariam as viagens, ida de avião e regresso de comboio, enquanto o Ministério da Educação francês se encarregaria do alojamento, alimentação e entrada gratuita em todos os museus e outros locais de interesse cultural.
Como não tinha passaporte, depois de algumas negociações com os meus pais, a vida não era nada fácil, lá consegui a desejada permissão e solicitei o dito cujo documento.
Só que me foi negado!...
Naquela época, Salazar e os seus esbirros dificultavam quanto podiam a saída do país aos mais novos, sobretudo aos rapazes por causa da guerra colonial e nem para uma simples visita de estudo mais do que justificada junto das autoridades competentes os convenceu, embora eu não representasse o perigo de fugir à tropa.
Mas a minha mãe não era mulher para desarmar com facilidade e como em todas as famílias, ou quase todas, há sempre alguém que é amigo de um "figurão", um dia lá se pôs ela a caminho de Santarém, com um sobrinho, homem feito, que era "tu cá, tu lá" com o Governador Civil. Ambos adoravam touradas...
Claro que trouxeram o tão desejado passaporte.
Aterrei em Le Bourget e logo que pisei solo francês foi paixão para o resto da minha vida!
Em Paris respirava-se liberdade, nas livrarias encontrávamos tudo o que cá não chegava, os grandes armazéns eram assim qualquer coisa de estonteante, os museus, os monumentos, os bairros, as praças, os palácios eram tal e qual como estudávamos nas aulas de Civilização Francesa...
Enfim, um deslumbramento para uma mocinha como eu...e como as minhas companheiras de aventura.
Depois de oito dias inesquecíveis, regressei de comboio, trazendo bem escondido comigo, o Pequeno Livro Vermelho com as citações de Mao Tse-Toung.
Aquele livrinho que tinha escrito na sua primeira página:
Prolétariats de tous les pays, unissez-vous!
Foi a vingança da portuguesa!
Guardo-o tão religiosamente como as recordações da minha primeira visita a Paris!